Tecido Social



O avesso que não se vê, as bordas da cidade e da sociedade. A costura que deveria estar no avesso, invisível, é trazida para a frente, para o primeiro plano, demonstrando a tentativa de se criar uma sociedade feita de retalhos opostos onde, de uma maneira que poderíamos chamar de “Franksteiniana” costuram-se partes antagônicas, díspares, de um mesmo corpo social comum, tentando fazer com que realidades socioculturais extremamente distintas convivam harmonicamente em um mesmo espaço, convivência esta buscada não pelo ato de ouvir e interagir com o outro, mas pela supressão dos direitos e pela cegueira diante do desafio.

Dentro desta perspectiva, individualidade e coletividade se chocam de modo que todos perdem. Cultura “erudita” e cultura “popular”, alto e baixo, o tecnológico e o primitivo, exclusão e inclusão, todos os paradoxos de uma grande metrópole costurados, trazendo aquilo que se pretende esconder, que se finge não ver, ao olhar público.

Ao grande pano somam-se as gravuras da série Das Sombras: Segundo Ato, repetindo elementos que estão presentes no tecido coletivo, desta vez individualizando pequenos dramas que ocorrem no dia-a-dia da cidade. Mágicas que parecem manipular nossas carências, nossas faltas. Coelhos tirados das cartolas da publicidade, do sonho de “chegar lá” (chegar onde????) e que vão minando aos poucos o sentido mais amplo do que poderia ser uma vida em sociedade, onde todos tenderiam mais a ganhar que a perder. Sombras nas paredes, retiradas de um antigo manual de entretenimento, são colocadas agora sob nova perspectiva ganhando em ironia o que perderam em inocência e pureza.

São também retiradas da grande caixa de Pandora contemporânea, a internet, as imagens que deram origem ao “vídeo jurássico” que acompanha a mostra. Jurássico porque tecnologia que hoje muitas crianças dominam, velha dentro do universo dos computadores atuais, mas ainda assim tecnologia, pois requer um aparato minimamente digital para ser feito. Tecnologia paradoxal, antiga e contemporânea ao mesmo tempo. O ultra plus da técnica convivendo com a mais ancestral desigualdade. Paradoxos presentes em um país que nos permite ver Zóio, 24 anos, bolsos cheios de pens 64 gigas fugindo da polícia na 25 de março. Zóio: semi-analfabeto. Pen drive 64 gigas: cabe uma biblioteca dentro.

Rosana Paulino
São Paulo, maio de 2010

Comentários

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  2. Linda dissertação de uma análise social, que vai do supérfluo ao imediatismo da vida....
    Reflexões para todos nós....

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